Nivalde de Castro 1 Rubens Rosental 2 As mudanças climáticas estão desempenhando um papel fundamental,irreversível e indutor no processo global de transição energética. Os impactos doseventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes e graves,como tempestades mais intensas, secas prolongadas, ondas de calor e elevaçãodo nível do mar. Esses eventos estão impondo graves consequências para ascomunidades, economias e ecossistemas em todo o mundo, aumentando aurgência de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para mitigar os impactosdo aquecimento global. As situações de emergência climática com riscos crescentes, sendo o trágicoexemplo do Rio Grande do Sul um sinal dos novos tempos, tendem a aumentara conscientização popular, gerando uma pressão crescente para que o poderpúblico e a iniciativa privada tomem medidas para combatê-las. Neste sentido,movimentos populares, como os protestos dos jovens pelo clima e as campanhasde ativismo ambiental, têm ampliado o apoio público às ações que promovam atransição para fontes de energia mais limpas e renováveis. Nesta direção, os avanços tecnológicos referentes às fontes renováveis, comoenergia solar e eólica, armazenamento de energia e eletrificação dos transportes,estão transformando-as gradativamente em opções mais acessíveis ecompetitivas em comparação com as fontes de energia tradicionais, comopetróleo, carvão e gás natural. Assim, a redução dos custos da energia renovávelestá acelerando a transição energética, tornando-a economicamente viável. Nestecenário, a China se destaca como um polo tecnológico dinâmico, tendo em vistaa sua dimensão econômica e os maiores desafios globais de descarbonização. Artigo publicado no Broadcast Energia. Disponível em:https://energia.aebroadcast.com.br/tabs/news/747/48622769. Acesso em: 31 de mai. 2024. 1 Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador do Grupo de Estudos do SetorElétrico (GESEL-UFRJ). 2 Pesquisador Sênior do GESEL-UFRJ. Nota-se que diversos países estão implementando políticas e ações para reduziras emissões de gases de efeito estufa e promover a adoção de energias renováveis.Essas medidas incluem fortes subsídios, incentivos fiscais para energia limpa,metas de energia renovável, padrões de eficiência energética e precificação decarbono. Deste modo, as políticas públicas estão desempenhando um papelcrucial e estratégico na aceleração da transição energética, tendo em vista queimpõem necessidades e abrem oportunidades de novos investimentos emenergia limpa. No Brasil, como foco deste pequeno e objetivo artigo, destaca-se neste contextotecnológico o crescimento exponencial da micro e minigeração distribuída(MMGD). No período entre 2017 e 2022, esta tecnologia teve expansão superior a17 GW de capacidade instalada de geração, superando 1,6 milhão de sistemassolares fotovoltaicos conectados à rede de distribuição, associados a mais de 2milhões de unidades consumidoras. Esse crescimento expressivo foi impulsionado por política governamental,iniciada em 2012 com regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica(Aneel), que estabeleceu regras para a conexão desses sistemas à rede elétrica,com fortes subsídios de não pagamento da Tarifa de Uso do Sistema Distribuição(Tusd). A queda nos preços dos painéis solares também desempenhou um papelfundamental desta expansão, tornando a geração solar distribuída uma opçãoacessível e economicamente muito vantajosa para residências e empresas. No entanto, há uma possibilidade importante de crescimento da GD associadaao conceito de “transição justa”, ainda muito pouco explorada no Brasil. Aexpansão dos sistemas de MMGD se dá em segmentos sociais com poderaquisitivo com condições de arcar com os investimentos e se beneficiar de tarifasbem menores. No entanto, as classes sociais menos favorecidas não conseguemter acesso a estes benefícios, daí deriva a proposta de projetos de GD Social. Paratanto, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas com o objetivo gerale direto de reduzir o custo de energia elétrica para este segmento, em paralelo àdescarbonização. No Brasil, ainda existem muitas comunidades, especialmente em áreas rurais eremotas, que não possuem um acesso confiável à eletricidade. Assim, projetos deGD Social podem ser uma alternativa eficaz para essas áreas, permitindo quecomunidades isoladas gerem sua própria energia a partir de fontes renováveis,principalmente solar e biomassa. Essa solução não apenas melhoraria aqualidade de vida dessas comunidades, fornecendo eletricidade com qualidadepara iluminação, comunicação e desenvolvimento econômico, contribuindo deforma direta para a inclusão social e a redução da desigualdade. A GD Socialpoderia, também, promover o empoderamento dessas comunidades,possibilitando que participem ativamente da transição energética. Neste sentido, cooperativas energéticas e iniciativas de energia comunitáriacapacitam os membros da comunidade a se tornarem produtores de energia, emvez de apenas consumidores passivos. Isso fortaleceria os laços comunitários e,ainda, geraria benefícios econômicos locais, uma vez que os lucros da geração deenergia seriam reinvestidos na própria comunidade. Além disso, podem criaroportunidades de empregos, desde a instalação de equipamentos de geração deenergia renovável até a operação e manutenção de sistemas locais. Portanto, háuma ampla gama de oportunidades nesta cadeia de valor associada à projetos deGD social. Desta forma, há um potencial de projetos direcionado para as famíliasmais carentes que permitem, simultaneamente, combater a pobreza energética econtribuir para o processo de descarbonização, em suma da transição energéticajusta. Destacam-se, a título de exemplo, dois singulares projetos em andamento quepodem servir de modelo de transição justa com base no protagonismo dascomunidades vulneráveis. O primeiro é a ONG Gerando Falcões, um projeto,atualmente em fase piloto, que vem desenvolvendo tecnologias sociaisinovadoras e replicáveis, com o objetivo de transformar as favelas em ambientesdigitais, dignos e desenvolvidos. A atuação da ONG é multidimensional e emrede, com forte protagonismo das lideranças e comunidades dos territórios,contando com a participação da iniciativa privada e do poder público. O segundo é uma cooperativa solar que está promovendo a sustentabilidadeeconômica e ambiental através da redução de custos de energia para 49 famíliasnas favelas da Babilônia e do Chapéu Mangueira, no Rio de Janeiro. A iniciativaé liderada pela ONG Revolusolar. Ambos os projetos não apenas diminuem oscustos associados ao consumo de eletricidade, mas também criam empregos,formando mão de obra local para atuar como técnicos de instalação e manutençãode painéis solares. Nestes termos, a superação da pobreza energética no Brasil é uma meta tangívelque exige uma participação ativa de todos os segmentos da sociedade. O avançode inovações tecnológicas já aponta para um horizonte promissor, no qual aenergia limpa é barata e abundante. É, contudo, imperativo que o poder público,em sinergia com a sociedade civil e a iniciativa privada, proponha e fortaleçapolíticas que enderecem tanto a urgência de medidas de sustentabilidadeeconômica e social, capaz de reduzir as tarifas de energia elétrica.