Nivalde de Castro1 Katia Rocha2 O Brasil é um país continental e tropical, qualificando-se como protagonista nopanorama mundial da transição energética. Dentre os diversos atributos quesinalizam as vantagens comparativas brasileiras, pode-se destacar a terceiraposição em capacidade instalada de fontes renováveis (160 GW), ficando atrásapenas da China e dos Estados Unidos, segundo dados recentes da Empresa dePesquisa Estratégica (EPE). Se comparadas às energias fósseis, mais caras e poluentes, as fontes renováveisde nossa matriz elétrica possuem baixo custo e diversas externalidadeseconômicas positivas, seja para contribuir com as metas de transição energéticamundial, na exportação de derivados de hidrogênio de baixo carbono, seja,principalmente, como fonte de desenvolvimento econômico e social, a partir dodesenho da nova política de industrialização do país, ainda em fase de gestaçãointerministerial. Nessa nova dinâmica virtuosa, o custo do insumo energia elétrica é defundamental importância, por ter uma participação crescente em todas ascadeias de valor, afetando assim todas as classes de consumidores, doresidencial ao industrial, impactando a nossa competitividade e bem-estarsocial. Um ponto que chama cada vez mais a atenção dos especialistas e analistas datransição energética brasileira é o descolamento crescente entre o baixo custo dageração renovável e o preço final determinado pelas tarifas de energia elétrica.As tarifas no Brasil se situam acima da média mundial, sendo altas para umpaís de renda média como o nosso. Artigo publicado em Valor Econômico. Disponível em:https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-bolha-dos-subsidios-pode-estourar-o-setor-eletricobrasileiro.ghtml Acessado em 04.09.2024 1 Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico(Gesel-UFRJ). 2 Pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os gráficos abaixo ilustram essa realidade para o consumidor residencial,observando-se que as tarifas praticadas no Brasil se revelam mais altas do que amédia mundial e nossos pares latinos. Figura 1 – Tarifa Residencial Energia Elétrica (USD/kWh) A análise do peso do componente eletricidade no orçamento do brasileirodemonstra um cenário é ainda mais revelador e preocupante. O peso da energiaelétrica na renda do brasileiro equivale a cerca de 5%¹, o que leva o país parapatamares superiores à média mundial de 4% e a diversos países desenvolvidosda Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),como Estados Unidos, Canadá, Espanha, França, Portugal, etc., conformeatestam os dados do gráfico abaixo. Figura 2 – Peso da Energia Elétrica na Renda per capta Dentre as causas apontadas para esse descolamento, um consenso recai sobre aquantidade e diversidade dos subsídios que são pagos pela Conta deDesenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial, criado em 2002, destinado àpromoção do desenvolvimento energético do Brasil, de acordo com políticasdefinidas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) de então, e que foi sendodesvirtuado ao longo dos anos em especial a partir de 2017. Dentre os subsídios,se destacam a promoção da competitividade de fontes alternativas, auniversalização do serviço de fornecimento de energia elétrica a todos osconsumidores no território nacional e a tarifa social para os consumidoresresidenciais de baixa renda. No entanto, fatores importantes para a efetividade de políticas públicas nãoforam observados para a determinação e manutenção dos subsídios na CDE,como a ausência de indicadores quantitativos para o seu acompanhamento e arespectiva avaliação dos resultados. Observa-se que os subsídios são um objeto de análise importante na teoriaeconômica para designar formas de apoio financeiro ao fomento de políticaspúblicas que visem reduzir o preço ao consumidor ou o custo do produtor.Assim, os subsídios podem ser públicos, logo financiados por toda a sociedadeatravés de recursos públicos que passam pelo orçamento da União, ouprivados, conhecidos como subsídios cruzados, que são financiados por outrosconsumidores que não aqueles beneficiados pelo programa de incentivo Há registro de diversos subsídios cruzados em vários países, em especialvoltados a classes de consumidores vulneráveis. Deste modo, sua função éapoiar o poder público na promoção da redistribuição dos recursos e bem-estarde um grupo de consumidores. No setor elétrico, é usual que ocorra uma mescla de subsídios cruzados epúblicos para financiar benefícios, mas cabe ressaltar que, no caso do SEB, ossubsídios são na sua grande maioria cruzados, ou seja, financiados pelospróprios consumidores, sem a participação dos recursos financeiros da União. As vantagens do subsídio público são a maior transparência, maiorespossibilidades para financiamento e o potencial de aplicar progressividade natributação, buscando aqueles contribuintes com maior renda, riqueza ou capacidade de pagamento, além de passar pelo ciclo de empenho, liquidação e pagamento, sujeito à disponibilidade orçamentária da União. O subsídio cruzado possui pouca transparência e maior regressividade, além deonerar um insumo específico, a energia elétrica, concentrando o ônus dofinanciamento sobre determinadas atividades mais intensivas no uso deenergia, com efeitos sobre toda a economia. De forma breve, as justificativas para a aplicação de subsídios se concentram nacorreção de imperfeições, como falhas de mercado, a exemplo dasexternalidades ambientais não precificadas de captura de CO2, na aceleração deprogramas voltados a indústrias nascentes ou novas tecnologias e napriorização de políticas sociais, incluindo a proteção de consumidoresvulneráveis. Na visão das melhores práticas internacionais analisadas pela OCDE, ossubsídios devem (i) estar sujeitos a testes que assegurem que a intervenção énecessária, (ii) estar de acordo com os objetivos da política pública e (iii)representar a melhor forma de intervenção estatal. Portanto, o Estado, aoconceder um subsídio, deveria apresentar à sociedade um estudo do tipoAvaliação de Impacto Regulatório, demonstrando a importância da intervenção,seus custos, os efeitos distributivos (quem ganha e quem perde) e a inexistênciade alternativa menos onerosa, além de avaliações periódicas da efetividade dareferida política. Nota-se que a perpetuação dos subsídios pode gerar interpretações de que apolítica de apoio estatal fracassou e que recursos públicos ou privados foramdesperdiçados, uma vez que devem viabilizar que, no futuro, a atividadeperdure sem a proteção inicialmente concedida, tais como restrições à entradade novas firmas, tarifas de importação, recursos orçamentários ou subsídioscruzados. O mal desenho das políticas de subsídios é a causa dos movimentosdos agentes pela manutenção dos privilégios (rent seeking) e da cultura dosubsidio como um direito. É necessário sublinhar o consenso no sentido de que as políticas de apoio àsindústrias nascentes devem ter prazos e metas definidos e ocorrer apenas nosprimórdios do crescimento do setor, sendo, portanto, temporárias e utilizadascom rigor e parcimônia. Destaca-se que a medida de proteção só gerarábenefícios para a sociedade se tornar o setor competitivo.